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quinta-feira, março 28, 2024
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Projeto busca produção sustentável de carvão vegetal na Grande Florianópolis

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Projeto busca produção sustentável de carvão vegetal na Grande Florianópolis

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Você sabe de onde vem, quem produz ou como é produzido o carvão usado no seu churrasco? Na Grande Florianópolis, poucas pessoas sabem que enquanto desfrutam essa que é uma das principais atividades de lazer no final de semana, agricultores trabalham em um sistema de produção de carvão que provoca baixa qualidade vida. Em função da legislação ambiental, que impede o corte das chamadas florestas secundárias (aquelas que surgem em processo de regeneração da vegetação), a atividade de produção de carvão é clandestina e gera multas por produção ilegal da matéria-prima ou carbonização da madeira. Os agricultores enfrentam também doenças provocadas pelo uso de fornos insalubres e manuseio da lenha, além de baixa autoestima e constante temor de serem flagrados por agências ambientais.

Em um trabalho conjunto com pequenos agricultores, pesquisadores da UFSC e da Epagri buscam formas de melhorar essa situação. “A alteração desse quadro representa uma necessidade social, ambiental e econômica”, defende o professor Alfredo Celso Fantini, coordenador do projeto Nosso Carvão. A proposta foi aprovada em edital do Ministério de Ciência e Tecnologia em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O objetivo é desenvolver e validar tecnologias apropriadas ao contexto da agricultura familiar para a produção sustentável de carvão vegetal na Grande Florianópolis. Traz também associado o objetivo de conservação das florestas nativas e a melhoria da qualidade de vida dos agricultores.

“A produção de carvão vegetal é uma das atividades agrícolas mais importantes em Santa Catarina, embora esse fato não seja reconhecido nas estatísticas oficiais. Não sendo reconhecido como importante, esse trabalho também não tem merecido atenção das instituições públicas de pesquisa e de extensão e das agências ambientais”, alerta Fantini, pesquisador do Núcleo de Estudos em Monitoramento e Avaliação Ambiental, do Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade e do Núcleo de Pesquisa em Florestas Tropicais, grupos de pesquisa ligados ao Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSC.

Conhecimento do uso da terra

No sistema tradicional utilizado pelos agricultores, conhecido como roça-de-toco, a floresta derrubada, usada para produção do carvão, dá lugar à lavoura de mandioca, feijão, milho e batata doce por três ou quatro anos. Depois a terra é deixada em repouso e a floresta volta a se regenerar, por um período de 10 a 15 anos. Para aproveitar o potencial da atividade e o conhecimento tradicional sobre a floresta, o projeto Nosso Carvão está sendo desenvolvido em várias frentes de trabalho, com a finalidade de aprimorar esse sistema utilizado pelos agricultores por meio da incorporação de conhecimentos científicos da ecologia dos ecossistemas naturais. A meta é estimular a adoção de inovações tecnológicas apropriadas para a agricultura familiar, colaborando com a melhoria da atividade desde a produção sustentável da madeira que é usada para fazer o carvão até a comercialização desse produto.

Na primeira etapa do projeto os pesquisadores buscam compreende o conhecimento do uso da terra por parte dos agricultores. Estão sendo mapeadas 45 estabelecimentos rurais, com identificação das atuais APPs (áreas de preservação permanente definidas pela legislação ambiental e onde a intervenção humana é bastante restrita, limitando-se ao manejo florestal para a produção de frutas, folhas e sementes) e áreas de reserva legal (porcentagem da propriedade agrícola em que a cobertura florestal deve conservada).

Estão também sendo realizados inventários em 15 propriedades (para conhecimento das espécies vegetais), entrevistas e oficinas com as famílias de agricultores. Além disso, serão elaborados mapas com as necessidades de recuperação para cada propriedade.

A partir destes estudos serão implantados 10 projetos pilotos de Sistemas Agroflorestais, em que o cultivo de árvores, espécies agrícolas e a criação de animais são feitos de maneira simultânea ou ao longo do tempo. Em oficinas, os pesquisadores pretendem conhecer com profundidade o manejo tradicional e aprimorar com os agricultores um plano de manejo sustentável da terra.

“Esses momentos de contato com os agricultores serão oportunidades para a construção participativa de novos sistemas de produção de matéria-prima, baseados naquilo que chamamos de sistemas sucessionais. O desenho desses processos, com a escolha das espécies, por exemplo, está sendo feito em conjunto com os agricultores”, explica Fantini.

A inovação tecnológica do processo de carbonização também é importante componente do projeto. O professor Fantini lembra que no sistema tradicional é usado o forno tipo iglu, que requer a entrada do trabalhador para retirada manual do carvão. A exposição dos agricultores aos gases tóxicos originados da combustão da madeira, como o monóxido de carbono e o metano, e às altas temperaturas, gera sérios problemas de saúde.

O projeto prevê a instalação de dois fornos modernos, adaptados a partir de modelo desenvolvido pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Esse forno otimiza a produção, reduz as emissões de gases poluentes e melhora as condições de salubridade no trabalho. Em parceria com as famílias, serão feitas comparações entre o desempenho do novo forno e dos tradicionais.

O projeto prevê ainda o estudo da cadeia de comercialização de carvão vegetal na Grande Florianópolis, que tem como objetivo a elaboração de uma proposta de certificação da produção agroecológica do carvão.

Produção do carvão é parte de um sistema de uso terra

No projeto aprovado pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento Agrário, a equipe de pesquisadores da UFSC e da Epagri mostra que no município de Biguaçu a produção de carvão não é uma atividade agrícola isolada. É um sistema de uso da terra, aperfeiçoado ao longo de décadas. No entanto, uma combinação de fatores, incluindo restrições legais à produção, falta de assistência aos produtores e falta de visão sistêmica estão resultando no abandono da atividade e na substituição das florestas nativas por plantações de eucaliptos.

“Nos fóruns onde a produção de carvão na região da Grande Florianópolis tem sido discutida, a solução quase que invariavelmente apresentada é o cultivo de espécies exóticas, principalmente eucaliptos, para suprir a demanda de madeira para carbonização. Essa proposta, que parece razoável à primeira vista, deveria ser avaliada à luz do contexto em que a atividade se insere, que é muito mais abrangente do que a simples produção de matéria-prima para transformação em carvão”, argumenta o professor Alfredo Celso Fantini.

Segundo ele, diante da dificuldade em adequar o manejo da floresta à legislação ambiental e do receio de serem multados por prática irregular no manejo que fazem, muitos agricultores estão substituindo o sistema de roça-de-toco por monoculturas de eucalipto, cujo corte não tem restrições legais. Nesse processo de substituição, espécies nativas da Mata Atlântica importantes na roça-de-toco vão se perdendo, como a bracatinga. Além disso, no sistema tradicional de manejo a floresta se regenera naturalmente, não há custo de plantio das árvores, o que para os agricultores familiares é um aspecto importante.

“O resultado mais visível desse processo de conversão da roça-de-toco para a plantação de eucaliptos é a transformação da paisagem. Mas também vão se perdendo traços da cultura local e o conhecimento sobre os ecossistemas e seus produtos”, ressalta o professor. Ele lembr que o processo de uso da floresta adotado pelos agricultores da região já teve como objetivo a produção de lenha para os engenhos de farinha e de açúcar. Depois, a lenha passou a ser usada para produzir carvão, um produto com mercado garantido. Nos últimos anos, entretanto, a legislação florestal tornou-se muito restritiva para o manejo da floresta. Ao atingir o “ponto de corte para lenha”, por exemplo, a vegetação secundária já apresenta características que a enquadram no estágio sucessional médio ou avançado de regeneração, em que o corte não é mais permitido.

Na prática, essa restrição impede o agricultor de realizar o ciclo da roça-de-toco e, portanto, de produzir carvão com essa lenha. “Mais importante ainda, impede a cotinuidade do processo da produção de conhecimento associado ao sistema uso tradicional da terra”, complementa o professor.

O sistema de produção do carvão em Biguaçu está relacionado a um grande repertório dos agricultores, acumulado e passado através das gerações, e que corre o risco de ser perdido. Em suas falas, os agricultores revelam conhecimentos específicos sobre espécies de crescimento rápido, sobre aquelas que melhoram a capacidade produtiva dos solos, com qualidades para a carbonização, construção civil e de artefatos, para alimentação, entre outros usos. E estes diferentes tipos de vegetação favorecem a manutenção da biodiversidade, permitem usos múltiplos da floresta, inclusive dos serviços ambientais pouco valorizados pela sociedade, como a produção de água e o valor estético da paisagem – serviços prestados pelos agricultores que não são remunerados.

“Nossa expectativa é de que num futuro não muito distante esses produtos não consumíveis da floresta virão a ser finalmente reconhecidos como importantes e devidamente remunerados, e os agricultores recompensados pela sua escolha”, criticam os integrantes da UFSC e da Epagri que desenvolvem o projeto. “Criminalizar o uso da floresta para produção do carvão, caracterizando-o simplesmente como desmatamento, é pura falta de conhecimento da história da relação dos agricultores com o seu meio”, complementa a equipe, lembrando que muitas das florestas da região são resultado do trabalho dos agricultores.

De acordo com o professor, um projeto dessa natureza, envolvendo um atividade clandestina e agricultores temerosos, teve de ultrapassar muitos obstáculos para conseguir avançar. O contato com agricultores sempre foi feito com muita cautela e avalizado por pessoas da comunidade que já conheciam os pesquisadores. Alguns agricultores se mostravam muito receosos em comentar a atividade. Alguns preferiam não receber a equipe de pesquisadores. Passado pouco mais de um ano, alguns desses agricultores já participam ativamente de diversas atividades propostas, recebem pesquisadores e técnicos da Epagri em seus estabelecimentos para apresentar sua forma de manejar a floresta. “Foi estabelecida uma relação de parceria. Percebe-se que a auto-estima dessas pessoas vem melhorando e novas demandas vêm surgindo com o andamento dos trabalhos, assim como novos agricultores vêm se aproximando do grupo”, comemora Fantini.

O que UFSC e Epagri estão fazendo:

Para conhecer os usos da terra:
– Mapeando 45 estabelecimentos rurais e o uso da terra na área;
– Identificando as atuais áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal (RL);
– Identificando as áreas que deveriam ser destinadas à preservação permanente e à reserva legal e comparando à situação atual;
– Elaborando mapas de demanda de recuperação de APPs

Para resgatar o conhecimento local:
– Entrevistas com 45 famílias agricultoras;
– Observação nos estabelecimentos rurais dessas famílias;
– Oficinas sobre o tema com as famílias agricultoras;
– Inventário florestal em cinco estabelecimentos rurais em diferentes comunidades.

Para desenvolver plano de manejo sustentável de forma participativa:
– Estão sendo realizadas oficinas sobre o tema com os agricultores;
– Serão elaborados mapa de reordenamento da paisagem dos estabelecimentos rurais com base na legislação ambiental;
– Serão implantados e monitorados 10 projetos pilotos de Sistemas Agroflorestais em parceria com as famílias agricultoras.

Para humanizar processo de carbonização da madeira:
– Instalar forno moderno (do tipo desenvolvido pela Universidade Federal de Viçosa) em duas propriedades de agricultores familiares produtores de carvão;
– Comparar, sob a perspectiva dos carvoeiros, o desempenho do novo forno com o atualmente utilizado;
– Realizar dias de campo para discutir a performance dos novos fornos.

Melhorar a cadeia de comercialização do produto
– Pesquisar a cadeia de comercialização de carvão vegetal na região da Grande Florianópolis;
– Elaborar proposta de certificação da cadeia de produção agroecológica da produção de carvão.

Para Divulgar os resultados
– Publicar manual sobre produção sustentável de matéria-prima em sistema agroflorestal para produção de carvão;
– Publicar material informativo sobre a cadeia de produção agroecológica de carvão vegetal;
– Publicar artigos científicos sobre os resultados do projeto em periódicos especializados.

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