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Exposição Natureza Faminta no Memorial Meyer Filho

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Exposição Natureza Faminta no Memorial Meyer Filho

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Jarina Menezes derrama o incontido do gesto na superfície da folha e contorna o acaso com seu bico-de-pena, que é como a navalha afiada de quem dá à luz a forma viva. Feito criança que cria castelos de areia à beira do mar, empresta do informe a fundação de seus elaborados edifícios. Suja-se de terra e água, se unge do orgânico para conceber seus desenhos, desce ao mais antigo da Terra, desvela o mais denso do corpo. Jarina Menezes refaz o gesto do oráculo, aquele que busca o conhecimento nas vísceras, na borra, na revelação embriagada: faz do caos uma gramática, do inominável uma afirmativa, do acidente uma liturgia. Entre flores, frutos, brocados, esqueletos, arabescos, cria sua ecologia de artifícios, sua natureza inquieta, que não cessa de produzir-se outra. Lida com a certeza medieval de que a vida é trânsito, mas, ao contrário de um pintor de vanitas, que alerta para a provisoriedade das coisas, Jarina celebra o milagre do orgânico, festeja a vocação dos corpos para o florescimento e a dissolução. Entre vôos e desmaios, os seres que cria dançam, se habitam, se confundem uns nos outros, se constituem de identidades mutáveis, feitas de contágios e devorações.

Priscilla Menezes, curadora

Natureza de apetites e devorações

O Memorial Meyer Filho abre dia 28 de junho a primeira exposição do projeto “Agenda Memorial Meyer Filho 2011”, “Natureza Faminta: Jarina Menezes”, com obras representativas de três décadas de produção da artista. Jarina é a modernista homenageada do ano pelo Memorial.

A mostra consiste em 12 desenhos feitos a bico-de-pena sobre manchas de ecoline, recorte que denota a tensão entre natureza e artifício marcante no trabalho de Jarina. “Trata-se de um orgânico do puro excesso, da pura desmedida, jogo entre vida e ornamento. Por isso ‘Natureza Faminta’. É uma natureza que não é do equilíbrio, da homeostase, mas dos apetites, das devorações. Um orgânico em que os seres menos adaptados ao meio perecem”, pondera a curadora, Priscilla Menezes. “Acho que o mais forte é a não-identidade entre os seres. Esse é o ponto principal: a contaminação das identidades e dos corpos.”

Foi elaborado um plano de ação educativa para a exposição: as visitas terão disponíveis para uso orientado pelo coordenador de ação educativa e artista visual Fernando Weber os mesmos materiais utilizados por Jarina nas obras expostas, construindo pela experiência um olhar que incidirá posteriormente sobre a obra.

Jarina Menezes

Jarina de Menezes nasceu em Massapê, no Ceará, a 24 de setembro de 1927, filha de um imigrante português e de uma brasileira. Passou a juventude entre Fortaleza e Sobral, onde casou-se e teve filhos. Muda-se para o Rio de Janeiro aos 29 anos, até esse momento sem qualquer envolvimento com a arte. Decide, nessa época, bordar quatro almofadas em ponto cruz, e em vez de fazer desenhos figurativos volta-se para motivos abstratos. O método fascinou a artista, que em 1969, época em que passava por uma forte depressão, pinta uma tela a óleo.

Passa então a frequentar o Centro de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro e o Museu de Arte Moderna, onde acompanhava o circuito e fazia curso de xilogravura. Aos 51 anos de idade, já com intensa produção artística, muda-se com o marido para Florianópolis, onde amplia seus conhecimentos com professores como Antônio Carlos Maciel e Jandira Lorenz. Associa-se à ACAP, Associação Catarinense de Artes Plásticas, da qual foi por dois mandatos presidente, e encontra artistas de quem se torna amiga e interlocutora, como Eli Heil, Meyer Filho e Vera Sabino.

Embora tenha experimentado diversas técnicas como tinta a óleo, tinta acrílica e xilogravura, grande parte do seu trabalho consiste em manchas feitas com tinta ecoline, dispostas ao acaso sobre o papel, que só posteriormente recebem contorno com nanquim e bico-de-pena. As figuras formadas, orgânicas, remetem ao surreal, ao fantástico e ao grotesco. Apesar de Jarina identificar-se com o surrealismo, o procedimento infantil de sua pintura revela uma despreocupação com grandes intelectualizações de seu trabalho, mas uma fatura obsessiva, minuciosa, catártica.

Profunda admiradora de Miró e do alemão Hans Bellmer, Jarina chegou a expor na Espanha, Bélgica e Portugal. Foi premiada diversas vezes em salões nacionais de desenho e pintura. Ilustrou também capas de livros de Holdemar Menezes, Otto Müller e Manoel Lobato, além do periódico “Estudos Feministas”, da Editora da UFSC. Faleceu em 2005.

Agenda Memorial Meyer Filho 2011

Além de “Natureza Faminta: Jarina Menezes”, o projeto “Agenda Memorial Meyer Filho 2011” prevê a produção de outras quatro mostras de arte contemporânea, tanto com artistas de Florianópolis quanto de outros estados. A programação pretende abarcar diversas linguagens dentro das artes visuais, desde a escolha das obras até a forma e conceito da exposição.

Entre as propostas, estão “Natureza na/da arte”, que trará três artistas renomados de São Paulo sob a curadoria de Paula Borghi, “Entre a palavra pênsil e a escuta porosa”, exposição individual da artista catarinense Raquel Stolf com obras inéditas realizadas durante seu doutorado na UFRGS, “Imago: espaço portátil de experimentação em arte”, de cunho social e com itinerância em espaços como penitenciárias e institutos psiquiátricos, e por último “Movimento 2: PAISAGEM”, que pretende criar interlocuções entre obras do acervo de Meyer Filho e obras de artistas contemporâneos a fim de criar novas formas de explorar ambos os universos.

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Evento: Exposição “Natureza Faminta: Jarina Menezes” – Curadoria de Priscilla Menezes
Onde: Memorial Meyer Filho – Praça XV de Novembro, 180, Florianópolis
Abertura: 28 de junho de 2011, às 19h
Visitação: De segunda a sexta-feira, das 10h às 18h, até 9 de agosto
Agendamento de monitoria pedagógica: com Fernando Weber, (48) 8437 8972, (48) 3234 8024
Quanto: gratuito
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