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sexta-feira, maio 17, 2024
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Sentença do caso Lagoa da Conceição aponta orla ‘privatizada’ e ‘inação’ do poder público municipal

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Sentença do caso Lagoa da Conceição aponta orla ‘privatizada’ e ‘inação’ do poder público municipal

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Desde pelo menos abril de 1999, técnicos da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) já sabem da "existência de vários tipos de construções na orla da Lagoa da Conceição que impedem a livre circulação e passagem do povo por via terrestre". E desde dezembro daquele ano, quando se realizou uma vistoria conjunta do Ministério Público Federal (MPF) com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos (SUSP), a Delegacia de Patrimônio da União (DPU) e a Floram, sabe-se que "a partir do Loteamento Saulo Ramos em direção ao morro do Badejo, não existe acesso livre ao público às margens da Lagoa. Toda ela encontra-se privatizada, com presença de muros, cercas localizadas dentro das terras de marinha e presença de muros situados pelo lado da Rua Laurindo Januário da Silveira".

Os trechos entre aspas do parágrafo acima constam da sentença original do caso Lagoa da Conceição, no qual a Prefeitura é réu e da qual não há mais como recorrer, assinada pelo juiz Guy Vanderley Marcuzzo. No texto, ele aponta que, de acordo com os documentos disponibilizados à época, "é possível constatar o uso privativo da Lagoa da Conceição no município de Florianópolis". E resume assim o caso: "Enfim, toda a orla da Lagoa da Conceição, segundo se depreende dos documentos juntados aos autos, vem sendo usada indevidamente por particulares. Em alguns casos, é verdade, o modo privativo com que os ocupantes se fazem de donos do bem de uso comum do povo salta aos olhos, evidenciando a inação do Poder Público, Município de Florianópolis, frente aos notórios abusos praticados por particulares".

Casas de veraneio, hotéis e clubes

Continua o juiz: "Pelas fotografias acostadas aos autos nas diversas vistorias realizadas pela FLORAM, SUSP, DPU, PROCURADORIA DA REPÚBLICA e POLÍCIA MILITAR DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, verifica-se que a maior parte trata-se de edificações bem estruturadas, que se qualificam mais como casas de veraneio, hotéis e clubes, algumas inclusive com mais de um pavimento e, na sua maioria, edificadas sobre faixa de areia próxima à lagoa e também dentro da lagoa (trapiches e cercas)".

O juiz alerta para o fato de que a demanda do MPF seria o de abrir acessos para pedestres à Lagoa, e não demolir construções na faixa dos 30 metros: "Além do aspecto relevante de estarem as construções em área de preservação permanente – que, diga-se, não é o foco principal da presente demanda, a qual, como já antes salientado, objetiva primordialmente propiciar o livre acesso à Lagoa pela população em geral -, observa-se a utilização irregular pelos ocupantes, na medida em que a faixa de areia serve apenas às edificações ali existentes".

Inação

O juiz aponta a Prefeitura como responsável pelo quadro: "Mesmo tendo detectado inúmeras irregularidades, o Município não impõe aos particulares sanções pelo uso indevido, assim como não toma as providências necessárias para que os obstáculos sejam removidos e garantido a todos o acesso às praias (da Lagoa), propondo, pelo que se constata dos documentos juntados aos autos, soluções insuficientes para o problema. Há notícia de apenas quatro construções demolidas e várias notificações expedidas, sem que tenha havido o ajuizamento das Ações Demolitórias correspondentes".

E termina: "Claramente constata-se, portanto, que o Município de Florianópolis não exerce e não exerceu seus poderes-deveres inerentes à polícia administrativa. Ao contrário, ao conceder alvarás de construções, torna-se também causador dos danos. Os problemas decorrentes da ocupação irregular da faixa de praia/lagoas e dos terrenos de marinha são, sim, de responsabilidade dos municípios, pois o que comumente se vê é que estes autorizam e às vezes até incentivam quase todo tipo de construção no litoral, sem a mínima preocupação com o meio ambiente ou com o direito constitucional do livre acesso às praias".

Reserva Florestal e APP

De acordo com pesquisa realizada pela reportagem do DeOlhoNaIlha em legislação disponível na internet, desde 1985, a faixa de 30 metros no entorno de lagoas em centros urbanos, como no caso da Lagoa da Conceição, é considerada Reserva Ecológica, de acordo com a resolução 004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Esta resolução foi revogada em 20 de março de 2002, por outra, de número 303, em que a metragem determinada na década de oitenta passou a se chamar Área de Preservação Permanente (APP). Em 2012, o texto final da revisão do Código Florestal de 1965, aprovado pela presidente Dilma Rousseff, utiliza as mesmas metragem e nomenclatura da resolução de 2002 do CONAMA.

O que deve ser feito

Sem direito mais a recorrer da sentença, a Prefeitura de Florianópolis precisa cumprir "[a] obediência da área de preservação permanente de 30 (trinta) metros no entorno da Lagoa, conforme legislação federal; [b] levantamento das ocupações em faixa de marinha no entorno da Lagoa; [c] identificação dos responsáveis por essas ocupações, bem assim quais obtiveram alvarás e em que data foram expedidos; e [d] abertura de acessos às margens da Lagoa, de acordo com as normas legais, ou seja, caminhos de pelo menos 3 (três) metros de largura a cada 125 (cento e vinte e cinco) metros, bem assim a garantia da faixa de 15 (quinze) metros na margem para a circulação de pedestres".

Prefeitura defende Plano de Trabalho

Via Secretaria Municipal de Comunicação, a Prefeitura afirma que, desde que a sentença foi publicada, esta é a primeira vez que o Município apresenta um Plano de Trabalho especificando um cronograma para cumprir a decisão do juiz Marcuzzo. Afirma também que o custo médio para a demolição, a limpeza e destinação dos escombros de cada construção seria de R$ 30 mil.

Afirma ainda que a audiência pública que será realizada no dia 7 de agosto, na Sociedade Amigos da Lagoa (SAL), a pedido da Procuradoria-Geral do Município, o cronograma será apresentado à população, assim como detalhes da decisão judicial. O MPF e representantes da Justiça Federal serão convidados a participar do encontro. Contribuições para o Plano de Trabalho serão bem-vindas, de acordo com a Secretaria de Comunicação.

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